Sinto o teu doce perfume ao nos aproximarmos, mas não me devolves o sorriso. Não me tocas, como se passasses por mim sem me ver.
Queres que o tempo passe, leio-o nos teus olhos, que não vêm o meu olhar suplicante, sedento de atenção. Apertas os teus lábios em silêncio e expiras impaciência. Quero tocar-te, para saber se és real, para sentir o teu calor, para saber se ao meu toque o teu olhar me atinge com carinho, acompanhado de um sorriso de agrado, que se transforma numa palavra de conforto e, talvez, me toques também. Mas não consigo, não tenho coragem, e a tua frieza empedernida aumenta a distância que nos separa, enquanto seguimos, lado a lado, no teu carro chique.
Levas-me a almoçar, a lanchar, a jantar. Mas fico palerma, quero conquistar-te, fazer-te sorrir, mas não sei falar contigo, perco a graça, como se me tivesse apaixonado por ti, e o diálogo é arrancado com pinças e alicates, puxado com esforço e desinteresse. Não me importo. Sorrio.
Sorrio sempre para ti. Porque te amo incondicionalmente, porque não te quero desiludir (embora o faça desastradamente), porque não te quero contrariar, porque não quero perder este frágil equilíbrio. Anulo a minha impulsividade, a minha mágoa crescente e torno-me num ser manso, numa gata que se enrosca aos teus pés, na qual fazes festas breves com os sapatos, por simpatia. Sorrio porque te quero mostrar que sou digna do teu amor. Mas faço tudo errado, repetidamente. Anulo-me para te enaltecer e perco-me na minha pequenez, perco-me de vez, porque te sou ainda mais indiferente e insignificante.
Repetimos este nosso ritual infinitamente, com a periodicidade de um relógio de cuco, cuja corda se vai perdendo e a vontade também. Onde tu vês uma obrigação, eu vejo uma oportunidade, que se foi consumindo gradualmente, escorregando por entre os meus dedos inábeis, irrecuperavelmente. Interrompes o ciclo porque não vale a pena dar corda ao relógio que de nada serve, porque o tempo não passa comigo a teu lado. Sentes-te preso e libertas-te de mim.
E eu nunca te toquei.
Volto-me e choro, não à tua frente. Não quero que vejas em mim as lágrimas da chorona que sou, quero que me vejas forte e decidida. Mas na tua ausência morro devagar.
Perco-te e perco também a inocência, a paciência, a passividade, a concordância, a tolerância, a submissão, o conformismo, a brandura, a ternura, a alegria e a esperança.
Não sabes como sou, nunca me revelei a ti, na verdade de uma rapariga. Não me conheces, tal como não te conheço. Não me sabes os gostos, nem o que detesto, nunca o perguntaste e eu, por mimetismo, também nunca o fiz. Nunca me contemplaste a brincar nem nunca viste a fera magoada em que me transformo quando me lembro que não te tenho, quando tu e o mundo me mostram que não te pertenço.
No entanto, apeguei-me a ti, que nunca exististe de verdade. Apeguei-me à tua imagem fantasiada, ilusória, irreal, imortal. Apeguei-me ao que quero de ti, ao que sinto por ti, ao amor que te tenho e que não se desfigura com as minhas lágrimas. Ainda te mostro, quando em rara ocasião te vejo, o meu sorriso inocente e despretensioso, que se sobrepõe instantaneamente à mágoa que te sobreviverá.
Ainda e sempre tenho fome de ti. A esperança, ao final, não a perdi. Esconde-se na dor, mas nunca morre.