Monday 8 September 2008

Hoje

Hoje estou de negro.
Por dentro visto-me de negro. Um negro cego e solipsista.
Hoje sinto uma inércia destrutiva a conduzir-me.
Hoje quis fechar-me no escuro e deixar que os meus demónios declarassem vitória e chafurdassem na minha tristeza.
Hoje não quis fazer mais nada se não fechar os olhos à vida e deixar o tempo passar, como se tudo se resolvesse por si só.
Hoje quis acreditar que sim, que conseguia mudar tudo com o pensamento.
Hoje, e talvez também amanhã, ou talvez ainda depois, viverei a tua angústia.
Mas hoje, só te quis ver feliz.

8 Setembro 2008

Friday 5 September 2008

Calor Humano

A vida, por vezes, apanha-nos como quando uma bola de futebol acerta em cheio na rede do fundo de uma baliza.

Ouve-se um estalido dentro do peito, um descompassar da bomba que nos enche de sangue até aos mais finos vasos. Um desacerto, como se a realidade se deslocasse por uns breves instantes e nos transportasse para uma dimensão paralela, em tudo igual excepto numa pequeníssima fracção de segundos.

Ouve-se o som arrítmico dentro dos ouvidos, como uma pancada, bem fundo, até ao cérebro, e perde-se a noção do espaço, do tacto, do cheiro, do gosto, da audição e até a visão se tolda. Os sentidos perdem-se, misturam-se uns nos outros, confundindo-se por minúsculos instantes, quase imperceptíveis.

No entanto, eu senti tudo isso.

Hoje mesmo.

Uma paciente, na sua frágil condição de idosa gravemente doente, quis retribuir o meu cuidado e atenção para com ela com a sua ternura. "É o meu dever, faço-o com o coração.", "É para isso que aqui estou, não dá trabalho nenhum.", "Não tem nada que agradecer.", respondo eu habitualmente, em tom empático, perante os francos agradecimentos que, por vezes, recebo e que me dão uma razão e motivação para continuar.

Mas esta senhora idosa abraçou-me. E o seu toque suave tocou-me de uma outra maneira, como uma pancada sem dor física.

No momento em que a realidade se deslocou e eu perdi a noção dos sentidos, apercebi-me bruscamente que há muito tempo que não recebia tal afago ( o mais reconfortante e íntimo de todos). O seu calor humano atordoou-me. Após a ter conduzido até à sua neta, que aguardava por ela pacientemente na sala de espera, voltei para a sala de exames e chorei.

Senti-me carente, enredada nesta maldita rotina de incessantes problemas e da busca constante de soluções, longe do aconchego, do abraço, do calor humano. Quis sentir de novo aquele abraço, como se me tivesse viciado nele. Quis que o tempo tivesse parado por uns segundos para eu o saborear melhor.

As lágrimas incontidas perderam-se na incredulidade de um momento de vulnerabilidade inesperada.


5 Setembro 2008

Ignorância

A Ignorância é uma coisa muito triste, mas para quem sofre desse mal é um júbilo nublado.

Monday 25 August 2008

Eu estive no Sudoeste



Mais uma fotografia para recordar os bons momentos...
"O que é que trouxeste do Sudoeste?" - perguntava a rapariga do anúncio.
"Muito pó!" - dir-lhe-ia eu.
(desenho: cortesia da produção que gentilmente presenteou a maioria dos veículos com mensagens originais escritas sobre o pó que os cobria - muito giro!!!)

Friday 15 August 2008

O Espírito do Sudoeste

O Festival do Sudoeste de 2008, ou SW08 (como se podia ver inscrito nos vidros dos automóveis que de lá vinham e por lá andavam, cobertos de pó), já não é o que era.
Fiz a minha estreia no Festival em 2003 e posso dizer que o que encontrei este ano, embora parecesse a mesma coisa, era diferente.
A dificuldade em arranjar um lugar para a tenda, a dificuldade para estacionar o carro e de lá o tirar (andámos quase todas as manhãs às voltas pelo labirinto em que o estacionamento se tornava todas as tardes, por vezes sem saída possível), a boa música, o espírito de inter ajuda e de partilha, o mar, o sol abrasador, o barulho incessante durante a noite, as noites mal dormidas a acumular ao cansaço da viagem (do qual não deu para recuperar) e da folia - tudo isso continua igual. O que difere é o interesse que leva as pessoas ao Sudoeste.
Já não viajam só aqueles que procuram a música, o convívio e uma semana de praia nas melhores praias do país com acampamento à borla. Agora também abundam os que se aproveitam dos primeiros e procuram os furtos fáceis e os que procuram a droga fácil de encontrar e a preparam sem pudor nem preocupação pelos olhares alheios. E não estou a falar do habitual charrito da praxe, que sufoca o ar junto aos palcos, inundando-o de fumos aromáticos um tanto pesados, a somar ao insuportável tabaco e ao pó que abunda e se infiltra por todos os lados. Eu estou mesmo a falar de cocaína (entre outras, por certo), que cheguei a ver ser alinhada para ser consumida em pleno recinto, no meio dos transeuntes que, tal como nós, procuravam outras diversões.
Diversões essas como o tiro ao alvo, do qual me posso gabar de ter conquistado a flor que eu queria derrubando as seis latas com apenas duas bolas (em três). Ainda nos divertimos bastante, embora nos tivessem assaltado a tenda no penúltimo dia, rasgando a entrada e levando apenas a minha mala com toda a minha roupa. Felizmente que o meu pesadelo durou apenas algumas horas e, após uma ida ao posto móvel da GNR, encontrámos toda a minha roupa e a minha mala abandonadas num grupo de tendas ao lado das nossas, também elas assaltadas. Quanto a eles, a sorte dentro do azar não foi tão grande e ficaram sem os óculos de sol, telemóveis, perfumes e leitores de mp3.
É óbvio que nós não tinhamos deixado nada de valor dentro das tend
as, mas ficou a lição para nunca mais levar a minha roupa preferida para este tipo de locais.
Escusado será dizer que pouco (muito pouco) se dormiu nessa noite, e que quando nos deitámos já o sol raiava. Ainda ficámos para os último
s concertos, mas só depois de arrumadas as tendas e todos os nossos pertences, de um banho quente tomado num clube desportivo local, de uma refeição a forrar os estômagos famintos e de uma sesta bem dormida num pinhal ali perto.
Para desanuviar um pouco fomos andar na roda gigante, mas os "mariquinhas" (estou só a brincar!!) ficaram cheios de medo e queriam desc
er - he he.
No final, o saldo foi positivo. Tivemos algumas peripécias (porque sem isso a vida não tem graça nenhuma), como por exemplo o colchão que nos emprestaram (assim como as tendas) estava furado e esvaziava q
uase por completo em pouco tempo, o que equivaleu a dormir no chão. Isso a acrescentar ao facto de estarmos num terreno ligeiramente inclinado e eu passar as noites a escorregar para cima do Miguel e a acordar toda torta. E é claro, havia sempre uma aranha que só aparecia quando eu estava dentro da tenda, só para me chatear.
Ainda assim, vimos muito bons concertos (Björk
foi inesquicível!!!), o espectáculo com os músicos num mobil gigante sobre as nossas cabeças foi fenomenal, passeámos pela costa em busca de praias menos cheias (sem qualquer sucesso) e dormimos sestas benditas num bendito parque de merendas, após piqueniques deliciosos. E até houve lugar para a brincadeira enquanto esperavamos pelo concerto seguinte. As fotos falam por si, das vistas, dos concertos e das diversões.
Foram cinco dias
inesquecíveis, mas quando cheguei a casa respirei de alívio - finalmente o meu espaço, finalmente a minha banheira e finalmente a minha cama!!!
Como se costuma dizer: «Para o ano há
mais».

Friday 20 June 2008

Fim-de-semana

Deixa a semana acabar,

Deixa o fim-de-semana começar,

Solta os pensamentos

E liberta-te do medo

E de todos esses tormentos.

Hoje é sexta-feira,

Estaremos juntos amanhã,

Viveremos tudo em dois dias,

E voltaremos tristes, de manhã,

À rotina, sem entusiasmo nem alegrias.

Até que tudo se repete,

Voltará a ser sexta-feira,

E a segunda voltará a ser um frete.


Junho 2008

Thursday 19 June 2008

Beijo secreto

Beijo secreto que não provei,

Sorriso silencioso que não vi,

Palavra doce que não escutei,

Carícia firme que não senti.


Não fechei os olhos ou as mãos,

Nem deixei de ouvir.

Não prendi o corpo ou o coração,

Nem o deixei abrir.


Mas fazes-me querer-te

Na tua ausência,

Voltarei a ver-te?

Poderei eu ter-te?

Não. Sei-o bem.

É impossível, uma ilusão.



16 Junho 2008

Thursday 5 June 2008

Um simples pensamento

Existem pessoas que nos fascinam,
Por vezes, apenas com um olhar
Nos tocam, nos perturbam.

Com um sorriso franco nos cativam,
O cérebro é sacudido, até se viciar,
E deixam saudades quando partem e não voltam.

Junho 2008

Friday 30 May 2008

Domingo Ecológico


Já passava das onze horas de uma manhã nublada,
quando saímos para uma aventura ecológica, pontuada
por uma satisfação indescritível e muito exercício físico.

Caminhámos pela Praia dos Frades, em São Bernardino
(Peniche), e o sol começou a sorrir por entre uma cortina
de nuvens brincalhonas.

Chegámos ao fim da praia e iniciámos o caminho de regresso.
Animados e cheios de energia, começámos a recolher o lixo
que salpicava a areia, cobrindo a beleza praia em toda a sua
extensão.

Armados com alguns sacos de plástico, que pouco tempo
depois se revelaram insuficientes, recolhemos todo o tipo de lixo.

Desde sacos de plástico rasgados, muitos pedaços de rede de
pesca,
pacotes de sumo, frascos de maionese (com maionese),
uma grande
quantidade de garrafas de água, impermeáveis feitos
em pedaços, garrafões, um balde (que foi aproveitado para o
transporte das garrafas),
uma palmilha, uma garrafa de vidro,
cordas de vários tipos, pedaços de
esferovite, um grande pedaço
de rede para pesca de marisco (que foi utilizado para o transporte
da maior quantidade do lixo apanhado), uma lâmpada fluorescente
com mais de um metro de comprimento, e até duas toneiras (iscos

de plástico em forma de peixe com duas fileiras de ganchos na
ponta, utilizadas para a pesca de lulas e chocos) faziam parte do
rol de lixo que parecia não acabar mais.

Pelo caminho foi improvisado, com grande habilidade, um caixote
para facilitar o transporte do lixo, feito com a rede para a pesca
de marisco e cordas recolhidas. Ao todo, mais de 50kg de lixo
recolhido.

Depois de mais de duas horas de caminhada e de recolha, sem
mais meios para armazenar e transportar o lixo que ainda
faltava, fomos obrigados a desistir de continuar a recolher o lixo
e encaminhámo-nos para a escadaria que nos levaria de volta

ao topo da arriba, carregados, estafados, mas orgulhosos.

Tendo percorrido cerca de dois terços da praia, deixámos apenas
um terço por limpar.

Próximo destino: Eco-Ponto.

Depois de todo o lixo despejado, de uma bebida bem merecida
no café do senhor Chico, esperava-nos um almoço ainda mais merecido.

Eram já 14h30 e a caldeirada, deliciosamente preparada, fumegava
dos tachos e inundava a casa com um aroma a mar, a paz e a alegria.


A boa acção estava cumprida e o sol presenteou-nos com uma
tarde maravilhosa - uma boa recompensa.

Para o verão há mais...



Monday 7 April 2008

Brisa Primaveril


Papoilas sedosas florescem nos passeios,

Anunciando a Primavera a despontar.

As aves movimentam-se em pares sem arreios,

Vagueando estonteadas a cantar.


Ah! Papoilas, flores encantadas,

Por uma brisa quente agitadas,

Delicadamente,

Parecendo borboletas despertadas,

Docemente,

Ondulando, dançando, deliciadas,

Voltando a ser papoilas, borboletas poisadas,

Quando o vento se emudece, suavemente.


07 Abril 2008

Sunday 6 April 2008

Caprichos de Amor

O tempo passa indelevelmente,

As estações correm

E o amor brinca no coração do Homem,

Eternamente.


Do pudor dos olhares e sorrisos proibidos,

Dos códigos combinados

Em longas cartas segredados,

Aos libertados amores fáceis e descomprometidos.


Das serenatas românticas e veladas,

Das loucuras e feitos de amor escondidos,

Dos corações destroçados

Por casamentos combinados,

Às atrevidas danças inflamadas.


Das doenças de amor incuráveis

Se não com sorrisos comprometidos,

Do interminável sofrimento e dor desejáveis,

Dos sonhos vividos acordados horas infindáveis,

Aos desencantos de hoje vividos.


Já ninguém morre de amor,

Já não há deleite na dor,

Já ninguém cai no exagero da comoção,

No infinito dramatismo sem razão,

Já não há recato nem pudor,

Nem vergonha nem honra na paixão.


Mas embora tudo tenha mudado,

Os olhos ainda choram de dor,

O coração ainda salta acelerado

E o Homem ainda se rende,

De corpo e alma,

Aos caprichos do Amor.


5 Abril 2008

Encontros do Passado

Sinto o teu doce perfume ao nos aproximarmos, mas não me devolves o sorriso. Não me tocas, como se passasses por mim sem me ver.

Queres que o tempo passe, leio-o nos teus olhos, que não vêm o meu olhar suplicante, sedento de atenção. Apertas os teus lábios em silêncio e expiras impaciência. Quero tocar-te, para saber se és real, para sentir o teu calor, para saber se ao meu toque o teu olhar me atinge com carinho, acompanhado de um sorriso de agrado, que se transforma numa palavra de conforto e, talvez, me toques também. Mas não consigo, não tenho coragem, e a tua frieza empedernida aumenta a distância que nos separa, enquanto seguimos, lado a lado, no teu carro chique.

Levas-me a almoçar, a lanchar, a jantar. Mas fico palerma, quero conquistar-te, fazer-te sorrir, mas não sei falar contigo, perco a graça, como se me tivesse apaixonado por ti, e o diálogo é arrancado com pinças e alicates, puxado com esforço e desinteresse. Não me importo. Sorrio.

Sorrio sempre para ti. Porque te amo incondicionalmente, porque não te quero desiludir (embora o faça desastradamente), porque não te quero contrariar, porque não quero perder este frágil equilíbrio. Anulo a minha impulsividade, a minha mágoa crescente e torno-me num ser manso, numa gata que se enrosca aos teus pés, na qual fazes festas breves com os sapatos, por simpatia. Sorrio porque te quero mostrar que sou digna do teu amor. Mas faço tudo errado, repetidamente. Anulo-me para te enaltecer e perco-me na minha pequenez, perco-me de vez, porque te sou ainda mais indiferente e insignificante.

Repetimos este nosso ritual infinitamente, com a periodicidade de um relógio de cuco, cuja corda se vai perdendo e a vontade também. Onde tu vês uma obrigação, eu vejo uma oportunidade, que se foi consumindo gradualmente, escorregando por entre os meus dedos inábeis, irrecuperavelmente. Interrompes o ciclo porque não vale a pena dar corda ao relógio que de nada serve, porque o tempo não passa comigo a teu lado. Sentes-te preso e libertas-te de mim.

E eu nunca te toquei.

Volto-me e choro, não à tua frente. Não quero que vejas em mim as lágrimas da chorona que sou, quero que me vejas forte e decidida. Mas na tua ausência morro devagar.

Perco-te e perco também a inocência, a paciência, a passividade, a concordância, a tolerância, a submissão, o conformismo, a brandura, a ternura, a alegria e a esperança.

Não sabes como sou, nunca me revelei a ti, na verdade de uma rapariga. Não me conheces, tal como não te conheço. Não me sabes os gostos, nem o que detesto, nunca o perguntaste e eu, por mimetismo, também nunca o fiz. Nunca me contemplaste a brincar nem nunca viste a fera magoada em que me transformo quando me lembro que não te tenho, quando tu e o mundo me mostram que não te pertenço.

No entanto, apeguei-me a ti, que nunca exististe de verdade. Apeguei-me à tua imagem fantasiada, ilusória, irreal, imortal. Apeguei-me ao que quero de ti, ao que sinto por ti, ao amor que te tenho e que não se desfigura com as minhas lágrimas. Ainda te mostro, quando em rara ocasião te vejo, o meu sorriso inocente e despretensioso, que se sobrepõe instantaneamente à mágoa que te sobreviverá.

Ainda e sempre tenho fome de ti. A esperança, ao final, não a perdi. Esconde-se na dor, mas nunca morre.

Mãos de Gigante

Aproxima de mim a tua mão.

O seu suave e doce toque

Cala a minha fúria, apaga a razão.

Amansa a minha ira, o meu corpo em choque.

Afaga-me o rosto, afaga-me o coração.


Mergulhas o nariz no meu cabelo.

De olhos fechados, inspiras o meu perfume.

Os teus lábios desenham um sorriso, tão belo (!),

E as tuas mãos aquecem-me, como lume.


Juntas as tuas mãos em concha,

Para me receberes.

Aninho-me nelas como um cão dormindo,

Para me protegeres.

Cheiras-me de novo, sorrindo,

E guardas-me para ti,

Para comigo viveres.

E porque sou tua, em ti me escondi,

E assim ficarei, enquanto me quiseres.


11 Fevereiro 2008

Thursday 6 March 2008

Morte

O odor da morte é pungente,
Como o medo que se infiltra na pele,
A forte consciência do fim latente,
Que insano, demente e, no entanto, doce como mel.

Respira-se a dor, um sofrimento premente,
Fita-me um olhar suplicante, molhado,
Num rosto envelhecido, cansado,
Com um sorriso paciente, resignado
E uma coragem brilhante, resistente.

Mas em tudo há um torpor,
Uma vivência dormente,
Uma espera lenta, descrente,
Que irradia paz, angústia e dor.

Vejo a morte no olhar dos outros,
Por isso temo ver o meu olhar
E nele a encontrar.

6 Março 2008

Friday 29 February 2008

Silêncio

O frágil equilíbrio quebrou-se,

Despedaçou-se em mil bocados,

Olhares afastam-se, fixam horizontes opostos,

E calam-se as vozes de timbres revoltados.


Palavras mudas, sem corpo,

São apertadas entre a mente e a garganta,

Comprimidas, esganadas, sufocadas

E engolidas num sopro de fúria contida (tanta, tanta…).


O ar é expelido com força, irritação e ardor,

E os lábios comprimem-se

Numa fina lâmina cortante –

– Beija-me a boca e sentirás o frio e a dor.


Este silêncio não é nobre, loquaz,

É oprimente, raivoso, injusto,

Nele nada rejubila, nada se compraz,

E, no entanto, é correspondido,

Acompanhado de um olhar fugaz

E expressões de mágoa indelével num rosto fingido.


De novo o ar é expelido com força e razão,

De novo palavras sem corpo são esmagadas

E engolidas como comprimidos de ira,

Não escondendo a emotiva incompreensão

E o profundo desacordo agressivo que ferira.


29 Fevereiro 2008

Thursday 7 February 2008

Um Segredo

Tenho um segredo, que a ti quero revelar, porque me sufoca em cada assalto que faz à minha mente, como uma lembrança constante da fatalidade dos meus e dos teus desejos, roubando toda a minha atenção, toda a minha concentração no mundo, porque no meu segredo só existimos nós, abandonados um ao outro, sós, mas felizes.

Tenho um desejo secreto, que me atira para a penumbra sombria da irrealidade, da velada insatisfação descontente, da lasciva concupiscência ocultada, e, no entanto, quero contar-to, só a ti, quero partilhar contigo este meu universo ilusório de impudicícia e erotismo por mim escondido.

Assim, te abro a minha mente e me exponho a ti, nua, mas não frágil. Assim, te descrevo este segredo, límpido, claro, cintilante, com as mãos trémulas, os olhos brilhantes e a boca húmida, com os pormenores de uma encenadora de sonhos.

Assim, te mostro que…

Desejo a tua aproximação furtiva,

O teu toque brutal,

As tuas mãos na minha pele,

O teu aperto forte, sensual,

O teu beijo bruto, carnal.


Desejo para mim a rendição,

Subjuga-me a ti,

Força-me, sitiada, sem evasão.


Rasga-me a roupa, a vergonha, o pudor,

Encurrala-me contra ti,

Corpo nu, bruto, de terno sabor.


Encerra-me no teu abraço,

Asfixia-me com beijos,

Mostra-me a crueza dos teus desejos,

Sedentos, sem embaraço,

Infinitamente mais bondosos que os meus ensejos.


Possui-me com impiedade,

Esquece a ternura,

Esquece a brandura,

Como se não o fazendo

Me negas a cumplicidade.


7 Fevereiro 2008

Sunday 27 January 2008

Manhã de Domingo

Adoro as manhãs de domingo.
Adoro quando me levanto, cheia de preguiça, depois de meia hora saboreada na ronha, sabendo que nada tenho a fazer para além de ler um bom livro e de relaxar. Acordo lentamente e bem disposta.
Ainda mais bem disposta fico quando, ao abrir os estores e os olhos muito lentamente, sensíveis à claridade que irrompe pela janela, invadindo e inundado de luz todo o quarto, vejo que está um sol radioso num céu azul sem nuvens. "Vai estar um lindo dia de primavera" - penso em voz alta, com vontade de cantarolar, embora ainda seja inverno.
Visto-me e tomo o meu pequeno-almoço, acompanhada pelo Alex - que espera sempre que eu lhe dê alguma guloseima, sentado junto às minhas pernas, com o focinho poisado sobre o meu colo - e termino o meu chá, ainda fumegante, na varanda. Acaricio os meus gatos, que também lá se instalam para aproveitar o ar fresco da manhã.
Saboreio o meu chá e encanto-me ao observar a dança azafamada dos pássaros, de árvore em árvore, a cantarem as suas melodias territoriais, enchendo o ar de alegria.
O Alex já me olha com algum desespero. Está na hora do nosso passeio matinal. E que outra manhã soalheira nos dá mais prazer na caminhada do que uma manhã como esta? Sinto vontade de caminhar com ele até ser hora de almoçar e absorver o sol que me aquece, o ar fresco que me renova, os momentos de contemplação que me revigoram o espírito e o canto dos pássaros que não cessa com o avançar do dia.
Voltamos para casa, com alguma pena minha, mas fica a sensação de uma manhã linda, pacífica e quente, que me relaxa e me faz apreciar cada vez mais a vida e toda a sua beleza.

Domingo, 27 Janeiro 2008

Monday 14 January 2008

O Beijo

A chuva fria tamborila na janela,

Entraste a correr, com o cabelo molhado,

Aproximo-me de ti com um sorriso deliciado

Porque sinto o aroma quente da canela.


Olhas-me e soltas um sorriso apetecível, por mim esperado,

De lábios húmidos e carnudos,

Soltas o aroma prometido, a mim reservado,

O gosto quente e doce de um beijo há muito desejado.


Comprimo os meus lábios nos teus, expectantes,

Apertando-os, encurralando-os com força,

E observo o tom cálido que tomam,

De um vermelho-sangue sensual, fascinantes.


Procuro no teu olhar a crítica, pelo beijo violento, roubado,

Mas não vejo desagrado – olhar limpo e nada perturbado.


Entreabres essas papoilas (que perfeição!)

E soltas suspiros de aceitação.

Aí, eu exploro-as num beijo lento,

E parar é coisa que não tento.


Ofereces (ou rendes?) os teus lábios

Ao meu beijo, com um gemido de deleite,

Também tu não queres parar.

Adoro-os e não os deixo secar.


É no suave toque dos meus lábios insaciados,

E na paixão húmida da minha língua

Que encontras o prazer,

Gemes, fechas os teus olhos amendoados,

Cerrando com eles mil imagens de fantasia

E desejos fortes que te fazem tremer.


Seduz-me, abraça-me,

Molda o teu corpo ao meu,

Não posso parar – sente-me,

Geme de novo,

Sinto o teu prazer na minha boca, na minha mão,

É desejo puro, alheio à razão.


As palavras escondem-se na tua mente,

Mas o teu corpo fala comigo, devagarinho.

Diz-me o que queres…

Não, espera! Não digas nada, eu adivinho!


14 Janeiro 2008